quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A escolha dos livros do Apoio ao Saber: critérios literários, estéticos ou políticos?

O NaMaria News publicou o texto O saber além dos livros da Educação de SP, sobre o questionamento feito pela LIBRE ao ex-secretário de Educação Paulo Renato Costa Souza e ao ex-presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), Fábio Bonini. Na carta enviada aos dois, a LIBRE pergunta, entre outros pontos, quais teriam sido os critérios para a escolha e compra dos livros do "projeto" Apoio ao Saber, que ultrapassa a casa dos R$100 milhões.

Ontem, este blog recebeu a mensagem que segue abaixo. Foi escrita por uma professora da rede pública e Doutora em Literatura Brasileira. Em seu texto, a professora Maria S. Magnoni indaga sobre certas escolhas de autores e obras por parte da nossa Secretaria de Educação de São Paulo, para o mesmo projeto. Vale a pena conferir o que ela nos escreveu, talvez faça parte do pensamento de muitos outros colegas de profissão, que nunca, aliás, foram consultados por aqueles que coordenaram o Apoio ao Saber.

Cara NaMaria,

Um ótimo 2011 para você e para todos nós que estaremos de olhos bem abertos!

Só hoje (após umas feriazinhas, inclusive da internet) é que vi o seu texto sobre o projeto Apoio ao Saber do Governo do Estado de São Paulo; justa mais tardia (como você assinalou) a manifestação da LIBRE, o estrago já havia sido feito e os milhões pagos pelos contribuintes paulistas foram mais uma vez engordar as contas de uns e outros como vem acontecendo ano após ano.

Professora da escola pública paulista que sou gostaria de aproveitar a oportunidade e tecer alguns comentários sobre a distribuição de livros aos alunos. São muitos os questionamentos, mas um dos livros do kit destinado aos alunos do 3º ano do Ensino Médio chamou-me particularmente a atenção, trata-se do Canto Geral de Pablo Neruda, publicado pela Editora Bertrand Brasil (R$69,00). É louvável a iniciativa de apresentar aos nossos alunos a literatura hispano-americana, porém pergunto:

Quais os critérios que nortearam a escolha do livro de Neruda? Foram eles literários, estéticos, políticos? Ou visaram atender o interesse de alguém? Ou será porque o referido o poeta era conterrâneo de uma certa “ex-primeira dama”? Do meu ponto de vista esse não é o melhor livro para iniciar os nossos alunos na literatura dos nossos vizinhos. Não estou aqui a emitir juízo de valor sobre a obra de Neruda (sou leitora e não especialista em literatura hispano-americana), porém minha objeção se deve ao fato de que se simplesmente “jogá-lo” nas mãos dos nossos alunos atingiria o objetivo teoricamente proposto. Convenhamos, Canto Geral é um livro extenso, repleto de referências históricas, embora existam notas explicativas, elas não são suficientes para dar conta da complexidade da temática dos poemas.

Poderiam me perguntar, mas você não está menosprezando a capacidade dos nossos alunos? Não, infelizmente não estou, existem exceções, mas grande parte deles termina o Ensino Médio quiçá interpretando um simples bilhete. Responsabilidade dos professores? Acho que não só, né? Além disso, mesmo entre nós professores é grande o desconhecimento da literatura hispano-americana, inclusive de história da América.

Fiquei aqui com uma pergunta que agora coloco para vocês: será que não seria melhor iniciar os nossos alunos na literatura hispano-americana, através da prosa?
Eu penso que sim e um bom início, do meu ponto de vista, seria com Cem Anos de Solidão de Gabriel García Márquez, Editora Record (R$49,90), afinal se a escolha de Neruda se deu (são hipóteses), pelo fato de ele ter sido ganhador do Nobel, García Márquez também o é, se Canto Geral é uma “história” da América Latina, Cem anos de Solidão também o é. Sem contar que a história do livro de García Márquez é extremamente envolvente e sedutora do ponto de vista narrativo e escrita numa linguagem bem mais acessível aos nossos alunos. Enfim, só sabemos que o livro de Neruda custa R$19,10 a mais do que o de García Márquez.

Para terminar esse comentário, gostaria de fazer mais algumas considerações sobre o “inovador projeto de incentivo à leitura da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo”. Longe de mim duvidar da “nobre” intenção do Governo e da Secretaria da
Educação de investir na formação de leitores, mas, por exemplo, minha escola tem uma biblioteca bastante boa e além disso temos recebido uma quantidade bastante razoável e diversificada de livros de literatura do MEC (Governo Federal) destinados à Sala de Leitura e o Governo do Estado também tem enviado livros de literatura para ela. As perguntas que ficam são: por que não montar boas bibliotecas em todas as escolas e colocá-las para funcionar de fato, por que não contratar professores capazes e preparados para trabalharem somente nas Salas de Leituras ao invés de da Secretaria da Educação ficar buscando medidas paliativas (como os professores readaptados, por exemplo), para tentar fazer as Salas de Leituras funcionarem? A simples distribuição de livros é o melhor caminho para formamos leitores? Penso que não e ainda aposto nas alternativas que coloquei acima, ou seja, a escola como um espaço que desperte e incentive nas crianças e jovens o gosto e o interesse pela boa e velha literatura.
Com certeza isso desagradaria a gregos e troianos, mas custaria bem menos aos cofres públicos!

Maria S. Magnoni
Professora efetiva da Rede Estadual e Dra. em Literatura Brasileira pela USP.

Para complementar as palavras da professora Magnoni, o NaMaria News destaca outros comentários.
(31/12/2010 13:11:00) rogerio disse...

Interessante cruzar esses dados com a de criação, implantação, manutenção e uso das bibliotecas escolares e das bibliotecas públicas. Por que doar livros a estudantes e professores e não às bibliotecas das escolas onde a destinação pública ocorreria. @s professor@s, se dispusessem de melhores salários poderiam comprar os livros da sua escolha. Mas os livros vinculados ao trabalho escolar deveriam ser destinados às bibliotecas escolares e, de modo complementar às bibliotecas públicas. Durariam mais (quem sabe boas edições, de material + duradouro), serviriam a várias gerações, além de estimular o hábito de ir às bibliotecas. A quantidade de exemplares de cada obra poderia ser menor, enquanto a diversidade de obras e autores, imensamente maior. O custo total seria menor, o controle do gasto público mais fácil. Tudo isso supondo que o dinheiro foi realmente gasto nisso, que os estudantes e professores receberam e tal. É uma política errônea, do ponto de vista do gasto público, parece uma cesta básica de cultura. Política pública de fato é pagar bem aos professores para que possam comprar os livros da sua preferência e dotar as bibliotecas dos livros vinculados ao trabalho escolar.


(19/01/2011 22:14:00) educador que não se cala disse...

Respondendo ao Rogério: Primeiro porque não existe biblioteca em escola nenhuma em São Paulo, apenas "salas de leitura", com centenas de títulos, é verdade, mas sem nenhum funcionário adequado para manusear e gerir uma biblioteca. Como professor, aprovo que cada aprendiz tenha seus exemplares significativos de livros, porém, não sob essa maracutaia deslavada toda que o PSDB sempre faz. Aliás, sobre os exemplares do professor, não os recebi, pois foram enviados poucos exemplares para a escola onde leciono (estranho, né??), portanto, estamos revezando o empréstimo dos livros. É muita sacanagem. E sobre nosso novo Secretário? É osso duro. Quando participava do movimento estudantil, pela Unesp, não tinha muita negociação, era ordens (vindas diretas do Alckmin, claro) e pronto, se não gostar, toma cacetada!!!


(20/01/2011 20:58:00) Anônimo disse...

Namaria,
obrigado por mais essas preciosas informações. Esse negócio da distribuição de livros parece ser mesmo a "casa da mãe Joana". O colega Educador que não se Cala disse que não recebeu os exemplares destinados aos professores, pois foram enviados poucos à escola onde leciona, comigo se passou o mesmo, não vi sequer a cara desses kits. Agora, quanto aos enviados para os alunos, aí é uma verdadeira farra, todo ano sobra um monte, ou seja, ou porque os alunos não pegam ou porque enviaram uma quantidade maior do que o número de alunos (na escola onde trabalho tem acontecido isso). A sobra fica lá e todo mundo acaba pegando e levando para casa e pelo que sei isso não acontece somente na escola onde leciono, acontece por lado, nas escolas da capital e do interior. E quem vai poder dizer que o pessoal está errado? Afinal, com o salário que a maioria dos professores e funcionários recebem é praticamente impossível comprar livros. Já passou da hora de ser feito algo em nível parlamentar (oposição), para botar em pratos limpos mais essa negociata da Secretaria da Educação.

Com a palavra, os professores.

4 comentários:

  1. As minhas filhas estudaram em escolas públicas e sempre gostaram de ler, procuravam a biblioteca e as professoras que estavam encostadas iam para a biblioteca gerenciar e não gostavam de ser incomodadas pelos alunos, elas estavam ali p/ se encostar tinham padrinhos é claro, não queriam lecionar e nem aguentar rato de bibliteca, a bibliteca em escola pública não existe, e o governo gasta uma fortuna com livros e nem a escola da valor nisso, tem que dar cursos p/ os professores da importancia da leitura antes.E colocar em bibliotecas profissionais capacitados e não frustrados que jogam para lá por terem padrinhos e se encostar.

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  2. Minhas filhas estudaram em escola s públicas em São José do Rio Preto(SP), sempre gostaram de ler e procuravam a biblioteca que eram gerenciadas por professores que não gostavam de lecionar em sala de aulas,frustrados, ouviamos falar que estavam encostados( tinham padrinhos imagino eu), sem nenhum preparo afastavam alunos da biblioteca, pareca que eles iam para lá, para não trabalhar e os alunos iam encher o saco.A biblioteca é um cabide de emprego para quem não quer trabalhar e tem a costa quente.

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  3. Ligações Perigosas também pode ser denominado "Ação entre amigos" do PSDB? Pois é isto que vem ocorrendo em diversas secretarias do Estado, onde o dinheiro público é o principal objeto das Ligações Perigosas ou "Ação entre amigos" do PSDB.

    Ouvi falar de escolas que esses kits sempre sobram e os professores acabam pegando livros desses kits para lerem. Isto deve ser algo comum em todos os lugares não o fato dos professores lerem, mas o fato de sobrarem kits, geralmente superdimensionados e pagos pelo erário público para felicidade geral das "ações entre amigos" do PSDB).

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  4. Eu,apesar de ser apenas uma modesta mãe,sem nenhuma formação,gostaria realmente de manifestar minha opinião a respeito desse tão merecido assunto."Acho eu realmente,que não é só distribuindo os livros,que poderemos ficar certos de que nossos filhos o leram.Dito isto,ainda me forço a dizer que os livros distribuidos deste ano na escola do meu sobrinho,simplesmente estão jogados dentro de uma estante,por uma quantidade significativa de alunos,pois siplesmente eles não conseguem interpertar um simples texto,uma pena!" Os livros "doados" deste ano,estão em minha posse,já que meu sobrinho não mostrou nenhuma intenção,nem sequer em manusea-los. Fica aqui minha sugestão aos professores,não sei se seri possível,ser feito com apenas,ou,pelo menos com um dos livros um trabalho,não desses cansativos de resumo,mas uma apreciação,comentários,prosas,dadas em aula,quem sabe... Não sei se isso é possível no mundo de hoje,mas muito,muito necessário. Desculpe pelo texto grosseiro,como já mencionei no princípio,não tenho nenhuma formação,somente o primeiro grau. Obrigada!

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